Nos anos 70, a integração entre os aparelhos repressores das ditaduras do Cone Sul, teve como alvos preferenciais os movimentos populares de resistência, os sindicatos e os partidos políticos de oposição. Um acordo clandestino de cooperação entre as ditaduras do Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Bolívia e Paraguai, envolvendo policiais civis e militares, com o conhecimento e aprovação da CIA, cria a “Operação Condor”. Policiais e militares são treinados por agentes norte-americanos na arte da tortura. Matam, torturam e fazem desaparecer militantes oposicionistas.
A escuridão da ditadura militar desabou sobre o Brasil em 1964. Neste contexto, reunindo um grupo de militantes, inicia a atuação “não oficial” do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, o primeiro em sua modalidade no continente. Devido à repressão e à perseguição do regime, por muito tempo o Movimento atuaria na clandestinidade, impedido de registar publicamente a sua identidade jurídica.
A atuação do MJDH no período das ditaduras militares do continente latino-americano, nos Anos de Chumbo, contribuiu para a preservação da vida de milhares de perseguidos políticos. A principal missão, naquele período, era proporcionar às vítimas da perseguição o asilo ou o exílio para determinados países europeus. Isso era obtido em estreita colaboração com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR. Convencido de que a divulgação dos casos pela imprensa era essencial para preservar a vida dos perseguidos, o Movimento sistematicamente denunciava a repressão, prisão e tortura de lideranças dos diferentes setores sociais, vítimas da violência do terrorismo de estado.
Podem ilustrar esta atividade dois casos emblemáticos: o do biofísico uruguaio Cláudio Benech, retirado do Uruguai na madrugada de 1º de janeiro de 1981; e a fuga da Argentina, em maio de 1982, de Maria Elpídia Martinez Aguero, mulher de Mário Firminich, líder do grupo oposicionista argentino Montoneros, e do filho deles, Mário Xavier.
Quando ocorreu o sequestro dos uruguaios Lilian Celiberti, seus dois filhos menores, e Universindo Diaz, em Porto Alegre, no dia 12 de novembro de 1978, o Movimento de Justiça e Direitos Humanos, denunciou a ação ilegal, lutou pela condenação dos policiais envolvidos e pela libertação de Lilian e Universindo. O caso teve repercussão internacional, pois foi o primeiro em que uma clássica ação da Operação Condor foi denunciada, investigada e levada até final condenação.
Por mais de quatro décadas o Movimento de Justiça e Direitos Humanos se dedica a causas humanitárias e populares, preservando vidas em todo o Cone Sul. No combate à intolerância, o MJDH conseguiu a condenação judicial da Editora Revisão e de seu proprietário Siegfried Ellwanger que publicava na capital gaúcha livros de cunho nazista, propaganda anti-semita e racista.
O MJDH foi propulsor de diversas entidades humanísticas. A Comissão Sobral Pinto de Direitos Humanos da OAB RS, a primeira Comissão de Direitos Humanos criada oficialmente dentro da Ordem dos Advogados em todo o território nacional, teve na origem a gestão de companheiros como a Dra. Rejane Brasil Fellipe (a primeira coordenadora), o Dr. Luiz Goulart Filho e o Dr. Marco Túlio De Rose, além de outros advogados.
Assim aconteceu na criação da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos - Assembleia Legislativa do RS, a primeira em um parlamento brasileiro. Ela resultou da ação de dois fundadores do MJDH, os então deputados Antenor Ferrari (primeiro presidente da Comissão) e Américo Copetti.
Nos locais onde seus militantes do MJDH se encontravam para discutir a situação política e dos Direitos Humanos, começou o projeto embrionário do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) na defesa da reforma agrária e da agricultura familiar.
Com o fim da ferramenta draconiana da ditadura, o Ato Institucional nº 5, em março de 1979, o grupo de militantes com a liderança de Jair Krischke, Celso Franco Geiger e o Padre Albano Thrink SJ., concluiu pela urgente necessidade de prestar uma ajuda mais qualificada aos povos do Cone Sul. A decisão de fundar oficialmente o Movimento de Justiça e Direitos Humanos esbarrou ainda numa recusa cartorial. Só em 25 de março de 1979, por força de uma sentença judicial, o Movimento de Justiça de Direitos Humanos obteve o seu registro em Cartório como uma organização da sociedade civil, para atuar abertamente.
O MJDH se incorpora às campanhas populares pela redemocratização e às ações contra a ditadura, como: o Movimento pela Anistia; a libertação dos presos políticos brasileiros; a campanha das Diretas Já; a luta pela Constituinte; pela Reforma Agrária; pela revogação das leis de exceção (Lei de Segurança Nacional, Estatuto dos Estrangeiros, Lei de Greve e Lei de Imprensa).
Desde 1984, a entidade entrega o Prêmio “’Direitos Humanos de Jornalismo’’, que visa incentivar e prestigiar as matérias jornalísticas mais relevantes em torno da defesa dos direitos fundamentais e da dignidade humana. A premiação anual distingue profissionais e acadêmicos de Jornalismo.
O MJDH amplia a sua atuação e se insere em atividades de defesa dos direitos humanos ligados ao meio ambiente, dos direitos dos excluídos, contra a desigualdade racial, contra a violência dos aparelhos de repressão estatal sobre o cidadão, pela melhoria das condições dos presídios, entre outros.
Entre episódios da luta do MJDH se destaca a promoção do encontro das Mães da Praça de Maio, as mulheres conhecidas internacionalmente como Locas de Plaza de Mayo, com o Papa João Paulo II em sua visita ao Brasil, no ano de 1980. Elas haviam ido a Roma e a Puebla (México) sem conseguir se avistar com o Pontífice. Por ação de Jair Krischke, de Antenor Ferrari e do Bispo Dom Antônio Cheuiche, Las Locas, com seus lenços brancos sobre a cabeça, foram recebidas em audiência pessoal com o Papa, na Cúria Metropolitana de Porto Alegre. Nesta oportunidade, entregaram a João Paulo II documentos sobre a violência do Estado e os desaparecidos na Argentina. Em solidariedade à Dona Lília Celiberti, também entregaram ao Papa um dossiê do caso do seqüestro de Lilian Celiberti e Universindo Diaz cometido em conjunto pelas ditaduras do Brasil e do Uruguai, na Operação Condor.
O desaparecimento de adversários políticos era forma de violência de Estado grave e desumana que afligia os países do Cone Sul. À semelhança da atuação das Madres de Plaza de Mayo, parentes de uruguaios desaparecidos fundaram em Paris uma associação para denunciar de forma permanentes o que ocorria especialmente no Paraguai, no Chile, na Argentina e no Uruguai. Tal mobilização sensibilizou o Birô de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, com sede em Genebra que criou, em 29 de fevereiro de 1980, um grupo de trabalho especificamente encarregado de tratar de casos de pessoas desaparecidas (Resolução nº 20).
Em agosto, a Coordenadora parisiense da Associação de Familiares de Uruguaios Desaparecidos - constituída pelas senhoras Maria del Carmen Almeida de Quinteros, Marta Ensenat e por Daniel Gatti - enviou grupo do Birô da ONU uma lista contendo os nomes de 113 cidadãos uruguaios que desapareceram na Argentina; dois desaparecidos no Paraguai, além dos desaparecidos no próprio Uruguai. Também relacionaram seis crianças desaparecidas na Argentina e outras seis presumivelmente nascidas em cativeiro, filhos de presos políticos desaparecidos.
A ONU tentou enviar uma equipe de investigação ao Uruguai para tomar depoimento dos familiares de desaparecidos políticos. A ditadura militar impediu a sua entrada no país.
Era de extrema importância para o grupo de trabalho do Birô da ONU colher os depoimentos de pessoas que tinham familiares desaparecidos. A alternativa era ouvir os familiares no Brasil. Um plano para investigar as denúncias começou a ser montado envolvendo o MJDH e o Conselho Nacional da Ordem dos Advogados, em sintonia com os enviados pela ONU, em momentos diferentes, o advogado argentino Leandro Despuit e um casal de advogados uruguaios, Edgardo Carvalho Silveira e Maria Helena Martínez, todos residentes na Europa.
No Rio de Janeiro, o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados, Eduardo Seabra Fagundes, conduziu a oitiva inaugural, colhendo o depoimento de Maria del Carmen Almeida Quinteros, mãe de Helena Quinteros, que fora sequestrada pelas Forças Conjuntas uruguaias do interior da Embaixada da Venezuela em Montevidéu, e estava desaparecida. O advogado Omar Ferri representou o MJDH na solenidade discreta.
Em Porto Alegre, a missão do Movimento de Justiça e Direitos Humanos era mais complexa. Através de companheiros uruguaios, foi recrutada mais de meia centena de familiares de desaparecidos que se dispusessem a romper o cerco da ditadura para serem ouvidos pela ONU. Em dois ônibus locados, eles venceram os 800 quilômetros da distância entre Montevidéu e Porto Alegre.
Finalmente, em 27 de outubro de 1980, na Casa Padre Jorge, sede do noviciado jesuíta, nos fundos do Colégio Anchieta, na capital gaúcha, aconteceu a clandestina e emocionante oitiva dos familiares de desparecidos uruguaios. A maioria deles não conhecia uns aos outros. A ditadura uruguaia impedia que as informações circulassem.
Estavam presentes Thierry Mignon, do Movimento Internacional de Juristas Católicos e Pax Romana; Willem Boogard, professor de Direito Penal da Universidade de Utrech, na Holanda, e da Secção holandesa da Anistia Internacional; e Belisário dos Santos Junior, presidente da Associação Latino Americana de Advogados pelos Direitos Humanos. Na audiência depõem: Milka Gonzales Peres, que teve seu filho Rubem Prieto Gonzales sequestrado em Buenos Aires; Martha Castilla Muttoni de Zaffaroni, mãe de Jorge Zaffaroni Castilla, casado com Maria Emitia Zaffaroni, casal sequestrado com sua filha Mariana Zaffaroni, em Buenos Aires, onde estavam refugiados; Violeta Malugani Torena, que teve seu filho Miguel Angel Moreno Malugani desaparecido na Capital argentina em 1° de outubro de 1976, poucos dias antes de viajar para o México, mesmo tendo recebido o status de refugiado pelo ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados; e outras dezenas de familiares.
Pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos atuaram o desembargador Celso Franco Geiger e os advogados Luiz Goulart, Mara Loguércio e Nora Tatsch.
Jair Krischke, em nome do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, fez a entrega de toda a documentação ao Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil que, tempos depois, viajou à capital gaúcha acompanhado do jovem advogado Sepúlveda Pertence. Eles fizeram os dossiês montados chegarem ao Birô de Direitos Humanos das Nações Unidas como importantes peças na luta contra as ditaduras latino-americanas.
Nesses dias, o jornal Zero Hora, em reportagem assinada por Carlos Alberto Kolecza, proclamou Porto Alegre como a Capital Mundial dos Direitos Humanos.